Nesses dias de carnaval – Parte 1
Um dos mais belos sambas-enredo do Império Serrano, de Silas de Oliveira, D. Ivone Lara e Bacalhau, afirma: “Carnaval, doce ilusão/Dê-me um pouco de magia/de perfume e fantasia/e também de sedução” e esses versos nos vêm à mente ao passear pelas ruas do Rio de Janeiro, mais precisamente pela velha e sedutora Avenida Rio Branco, palco de antigos e gloriosos carnavais, e que atualmente vai retomando lentamente sua força e magia carnavalesca.
Durante a década de 1980 e meados da década seguinte, período maior do neoliberalismo foi praticamente consenso que o carnaval de rua havia morrido e dele nada mais restava do que a dolorosa saudade da felicidade perdida. O carnaval carioca ficara praticamente restrito ao desfile das escolas-de-samba. Mas eis que o tempo passou, e sem que muitos se dessem conta, as ruas do centro foram sendo pouco a pouco retomadas pelos foliões, a princípio por aqueles que saídos dos subúrbios iam passear pela avenida pela qual cruzavam diariamente indo ou vindo do trabalho, ou então na resolução esporádica de alguma questão particular. O povo do subúrbio, quando a mídia afirmava a morte do carnaval de rua, fazia seu desfile particular passeando pelos arredores do sambódromo, seguindo pela Avenida Presidente Vargas e finalmente, seguindo os mais diferentes blocos que continuaram persistindo em desfilar pela cada vez mais abandonada ex-Avenida Central por parte dos poderes municipais, que chegaram ao ponto de não se preocupar em decorar ao palco central do carnaval carioca e durante muito tempo, nem ao menos iluminar decentemente as ruas, isso sem contar questões básicas como segurança e assistência médica largadas ao Deus dará. Mesmo assim, os blocos como Os Boêmios de Irajá, o Pagodão de Madureira, O Bafo da Onça, e o Cacique de Ramos, além de outros, foram levando avante a bandeira da resistência do carnaval carioca, mesmo que os jornais e as televisões nem se dessem ao trabalho de noticiar a presença popular, com famílias inteiras, pessoas fantasias e blocos inteiros de bate bolas que descendo do subúrbio vinham dar mais um colorido ao carnaval da Rio Branco. Pois bem, eis que agora, quase ao final da primeira década do século XXI, o carnaval de rua na Avenida Rio Branco encontra-se em pleno processo de crescimento e ebulição.com milhares de foliões que se acotovelam ao som dos diferentes blocos. E a multidão sobe e desce a avenida seguindo cada bloco até que ele se disperse e todos retornam atrás do próximo que já se anuncia com ritmo e empolgação. A alegria toma conta mesmo sem policiamento, sem banheiros em número suficiente, sem decoração, enfim sem o mínimo apoio necessário de uma Prefeitura que se esmera na cobrança dos impostos, mas que não devolve o que arrecada em benefícios para a cidade. Mas o povo é festeiro e se espalha em alegria incontida, dançando, sambando, improvisando coreografias novas e inesperadas na felicidade inconseqüente que só o carnaval, em sua “doce ilusão” é capaz de proporcionar. Todos seguem, cantando e balançando os corpos, os braços, acenando, sorrindo, numa alegria quase insana, na busca desenfreada da fantasia e também da sedução, “sedentos de orgia e desvario” esperando quem sabe que no amanhecer da quarta-feira de cinzas, as agruras do dia-a-dia não sejam tão duras e sobre para todos um pouco da fantasia desvairada que impera, seguindo o imperativo de Momo, de sambar quatro dias sem parar.
Paulo Luna
Enviado por Paulo Luna em 05/02/2008
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